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Channel: Ovo de Fantasma
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Crítica: Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 2016)

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O reboot de Caça- Fantasmas de Paul Feig já começa com uma cena absurdamente simbólica. Um guia turístico leva visitantes ansiosos por um tour de uma casa supostamente assombrada, e enquanto fala sobre o porão em que a cruel herdeira da casa morreu, um castiçal cai, sozinho, no chão. O guia leva, tenso, os visitantes para fora da casa, e depois volta sossegado para seu posto, revelando que derrubou o castiçal usando um dispositivo escondido. Os visitantes, como espectadores de um filme, foram até a casa assombrada porque queriam ser entretidos, queriam sentir medo, espanto, acreditar em algo. Aceitar o pacto proposto por um homem que, como um diretor de cinema, prepara armadilhas no caminho, artifícios, para acelerar nosso coração. Em uma cena, antes mesmo dos créditos iniciais, Feig define com clareza impressionante o que é o cinema.

Recentemente ouvi um crítico de TV, Andy Greenwald, definir o “cínico” como alguém que apenas quer achar algo em que acreditar. O cinema é uma arte para cínicos. Entramos na sala escura sabendo da natureza artificial de tudo que vemos, mas queremos, desesperadamente, que o filme nos faça acreditar em todos os seus artifícios. Caça-Fantasmas não esconde nenhum desses artifícios – quer nos fazer rir, gerar torcida e causar sustos sem buscar nenhum verniz de realidade, um filme em que os efeitos especiais dialogam com os dos anos 80, as piadas são auto-referentes, as conversas científicas são risíveis, coisas pulam para fora da tela em um 3D extremo e digno de parque de diversões. Se o pacto e o artifício existe em um documentário ultra-realista ou em um filme de fantasia, porque não parar completamente com a pretensão de fazê-los desaparecer e transformar tudo em uma brincadeira? O filme de Feig parece uma brincadeira, e as protagonistas se divertem nas peles que vestem – a de cientistas, de heroínas radicais de ação, de figuras peculiares e engraçadas. Como crianças que viram o original e se vestem de seus ídolos.

Esse jogo lúdico – que desafia nosso cinismo, nos convidando a acreditar em qualquer artíficio – e a chave para entender a tal “representatividade” do filme. Se eu cresci brincando de ser Batman ou James Bond, hoje eu poderia ser uma Caça-Fantasmas. Meninas são, finalmente, convidadas para a brincadeira, e fazem o melhor que podem a partir desse convite. O elenco de Caça-Fantasmas está afiadíssimo, surpreendendo com uma formação cômica de uma força do caos (Kate McKinnon) e três contrapontos mais sutis e suaves (Melissa McCarthy, Kristen Wiig e Leslie Jones). Chris Hemsworth é o novo Jason Statham de Paul Feig – o improvável comediante que se esconde por trás de um herói de ação.

Caça-Fantasmas convida a análises pelo viés do gênero, mas esse é um convite fácil de recusar. O filme é sim feminista, e inverte várias regras estruturais das comédias e aventuras, o que era inevitável, afinal o primeiro filme era um “time dos sonhos” do humor televisivo americano, e esse time dos sonhos hoje só poderia ser feminino, com uma geração de comediantes impecável. Mas o filme possui um leque de pontos positivos que transcendem esse lado. O timing dos atores e as referências do roteiro são impecáveis, com o único destaque negativo ficando por conta do final extremamente preguiçoso, que usa o mesmo conceito de vórtex usado recentemente em, no mínimo, Vingadores, Círculo de Fogo, Big Hero 6 e Homem Formiga.

Como cínicos profissionais, cinéfilos, ou críticos, tudo o que queremos, no fim das contas, é algo para acreditar. E em Caça-Fantasmas podemos acreditar em algo: no cinema, e em seu poder de entreter os cínicos e convidar todo mundo para a brincadeira.

Nota: B



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